sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O analfabeto político

Se não aconteceu podia ter acontecido. Este é um diálogo entre dois jovens, o Ivo e a Ana. Ele, na casa dos vinte anos, já votou algumas vezes e define-se como um cidadão e cristão com consciência politica. Ela, encontra-se na idade de votar, mas com muitas dúvidas e alguma alergia a tudo o que cheire a actividade politica.

Ivo - Então, já decidiste em quem vais votar nas eleições?
Ana – Eu?! Para começo de conversa a política não me interessa!
Ivo - Como assim?
Ana - É isso mesmo que ouviste! Eu na política não me meto! Políticos desonestos, mentirosos, corruptos, prometem e não cumprem… São todos iguais!
Ivo – Mas sabes que, como cidadãos, não nos podemos alhear da política! Não sei se já te deste conta mas, numa democracia, o voto é o instrumento que esse sistema politico confere ao cidadão para exercer o direito e o dever cívico de escolher, com liberdade e responsabilidade, os seus governantes. E creio que já deves conhecer o famoso pensamento de Aristóteles, quando dizia que “O homem é um animal político”. Mais! É um ser social e, como cidadão, deve participar da vida da polis, e interessar-se por tudo o que se refere o bem-estar de todos, na vida da comunidade. Além disso, devo-te recordar que és cristã!
Ana – Ora aí está mais um motivo para não me meter na política: “a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”.
Ivo – Hã!!! Começo por dizer que essa passagem bíblica tem sido mal interpretada; mas explica lá porque falas assim?
Ana – É isso mesmo que eu disse. O cristão não se deve meter na política. Não combina. É água e azeite. Não se misturam.
Ivo – Ah! Pois aí é que tu te enganas. Ao dizeres que não te metes na política já estás a fazer politica.
Ana – Não me enroles! A minha mãe diz que ‘a nossa politica é o trabalho’.
Ivo – Pois, pois! Isso - diz o meu avô - era muito comum dizer-se no tempo de Salazar. E com essa atitude estavam a contribuir para cimentar a ditadura.
Ana – O meu pároco que é uma pessoa que levamos muito a serio, disse domingo na missa que a Igreja e os cristãos não se devem meter na política.
Ivo – Pois! Mas também te deve ter dito que a politica é uma dimensão fundamental da vivência da fé. Já o Papa Paulo VI dizia que “A Política é uma das mais altas expressões da caridade cristã”
Ana – Então tu achas que a Igreja se deve meter na política?!
Ivo – Eu não diria dessa maneira, que se “deve meter na politica”, mas … se a politica é a busca do bem-comum, como afirmam os documentos da Igreja, o que passa pelo respeito pela pessoa, pela exigência do bem-estar social, um bom sistema de saúde, a defesa de uma ordem justa, então acho que, pelo simples facto de sermos cidadãos já estamos, necessariamente, a fazer politica.
Ana – Nunca ninguém me disse isso. Mas então porque é que os políticos dão tão mau exemplo?
Ivo – Ana, em parte é por nossa culpa, pois quando dizemos que “a politica não nos interessa” já estamos a dar espaço livre para todo o tipo de abusos dos políticos e das suas políticas. Não queremos conhecer os candidatos, os seus percursos, o seu perfil, que valores que defendem, as politicas que promovem, …… Depois de eleitos não controlamos, não fiscalizamos…
Ana - … eu conheço alguns, nas autarquias aqui á volta, e inspiram-me pouca confiança.
Ivo – pois! … e o que tens feito para impedir que esses sejam eleitos ou reeleitos?
Ana – Na verdade, nada!
Ivo – Olha Ana, não te queria parecer um citador de documentos, mas lembro-te que já o Concilio Vaticano II, na Encíclica Gaudium Et Spes, escrevia que todos os sectores da actividade humana devem ser iluminados pela verdade evangélica através do testemunho dos cristãos. E afirma, ainda, que a Igreja promove a liberdade politica e a responsabilidade dos cristãos.
Ana – Isso parece muito bonito. Mas, e falando da tal liberdade politica, por aí dizem que a igreja deve votar em determinados partidos.
Ivo – Bom, não me queria alongar nesse aspecto. Pessoalmente penso que nenhum partido tem o monopólio dos valores evangélicos ou da doutrina da Igreja. Uns partidos defendem uns valores, outros defendem outros… Deves votar em consciência.
Ana – Tu dizes coisas muito bonitas, mas cá pra mim acho que prefiro continuar bem longe da política.
Ivo – Essa atitude tem um nome!
Ana – Qual é?
Ivo – ‘Analfabeto politico’.
Ana – Explica melhor…
Ivo – Quem to vai explicar é o famoso dramaturgo, poeta e encenador alemão Bertold Brecht, no poema ‘Analfabeto Politico’.

Não há pior analfabeto que o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. O analfabeto político é tão burro que se orgulha de o ser e, de peito feito, diz que detesta a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política é que nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, desonesto, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.

Bertolt Brecht (1898-1956)

Ana – Ele tem razão. Não tinha pensado nisso. Mas, ainda assim, continuo a achar que pior que o analfabeto politico é o politico analfabeto.
Ivo – Não desconverses, Ana… Os dois são maus!
Ana – Combinado! Vou-me alfabetizar!
Ivo – Uff!... Ah! E não te esqueças, a tua responsabilidade não termina quando pões o voto na urna.
Ana – Já me estás a pedir demais!
Ivo – Não estou, não, alguém disse que o voto não tem preço, tem consequências. Deves ter consciência do valor e das possíveis consequências do teu voto. Também depende de ti que os candidatos em que votas sirvam o povo e não se sirvam do povo para interesses partidários ou pessoais. Mal comparando, na vida real o que deixa um ladrão mais tranquilo é saber que não há ninguém a observá-lo….
Ana - … e queres dizer que essa situação se aplica à politica e aos políticos.
Ivo – Não digo nem que sim nem que não… Tira tu as tuas conclusões. Mas a verdade é que se eles sentem que estão a ser escrutinados pelos cidadãos que, no fundo, somos quem paga os seus salários com os nossos impostos, eles já pensarão duas vezes sempre que tenham a tentação de meter a ética e as boas práticas politicas no bolso.
Ana – Já percebi! Votar correctamente é um dever cívico, um dever religioso, além de um exercício de liberdade e responsabilidade.
Ivo – Isso mesmo. O voto é uma espécie de procuração: o eleitor dá poderes ao candidato, agora eleito, para agir em nosso nome. Por isso é que é preciso saber escolher.
Ana – O que significa que o voto não se compra nem se vende. E que o mundo melhor de que tanto se fala lá na minha paróquia, também passa dimensão politica. Muito bem, Ivo! Como eu precisava desta conversa!
Ivo – Sim, Ana! Valoriza o teu voto. Informa-te melhor sobre os candidatos e sobre a ideologia e programas dos partidos. E agora… a esmiuçar os sufrágios! Hehe! Fui!

Albino Brás

1 comentário:

  1. hello... hapi blogging... have a nice day! just visiting here....

    ResponderEliminar