sexta-feira, 12 de março de 2010

Tiago não podia escapar

Os rapazes remoíam na esquina da vivenda esbranquiçada que foi dos avós do amigo morto. "Justiça tem de ser feita", esbracejava um. "Que justiça há neste país? Mataram uma criança de 19 aninhos e andam aí a tocar viola", interrompia outro. Os pais de Tiago Puga nem os ouviam. Eram ontem uma presença ausente em Meadela (Viana do Castelo).
A espera tomara as conversas desta freguesia-dormitório. "Já chegou o mocinho?", perguntava uma idosa ao padrinho do rapaz que na véspera morrera no Hospital de São Marcos (Braga). O corpo estava a chegar. "E o funeral quando é?" Hoje, às 10h30, na Igreja de Santa Cristina, Meadela. "Coitadinho. Vi na televisão." Vira e ouvira falar na agressão fatal.
Renato Freitas parece renascido. Estava no Café Granito"s naquela tarde de sexta-feira, 5 de Março. Encontrou-se com o amigo de infância, como tantas outras vezes. "Ele chegou, sentou-se, folheou o jornal. Tomámos um café e fomos lá fora fumar um cigarro. Estávamos ao pé de um pilar. Vimos cinco indivíduos entrar no café. Não ligámos. De repente, estavam cá fora. Um deu-me um soco. Eu caí. Levei um pontapé. Levantei-me a sangrar. Gritei. Podia ter morrido." O rapaz de 20 anos fugiu - atrás dele, apenas o vazio da praceta. O amigo ficou encurralado entre as mesas da esplanada e o pilar. Estela Pires estava atrás do balcão a satisfazer os pedidos de quem lhe aparece à frente: "Vi-os vir. Um pediu-me um café. Virei-me para lho tirar. Quando lho fui entregar, tinha saído. Olhei lá para fora, o rapaz estava no chão. Chamei a ambulância, chamei o pai." Manuel Puga veio a correr. Ainda ouviu o filho único dizer: "Olha o que me fizeram!" Foi a última frase.
Nem consegue imaginar a intensidade da dor do filho - nem da sua: anestesiou-a com comprimidos. Tinha um tímpano roto. Sangrava - pelo nariz, pelo ouvido. Vomitou. Urinou. Perdeu os sentidos. Entrou em coma. Eram quase 14h. Seguiu para o hospital de Viana do Castelo. Teve dois enfartes. Às 18h30 era transferido para o hospital de Braga.
Em voz baixa, sem nome, há quem fale do rapaz como um "problema". Integrava um grupo que se junta na praceta em forma de U à noite e que fala alto, ri alto, acelera carros, fuma haxixe, bebe cervejas - deixa beatas, latas e outras sobras no chão. De vez em quando, um vizinho perde a paciência e grita: "Pouco barulho!" De quando em quando, há umas partidas. O padrinho e tio José Carlos Puga desvaloriza as tropelias dos rapazes. O seu apartamento, num 4.º andar, dá para a praceta. Na quinta-feira, 4 de Março, completava 46 anos: esteve acordado até tarde. Lembra-se de notar o reflexo das luzes das sirenes dos bombeiros e de ter ido à janela e de os ver partir. Alguns rapazes terão ateado uma fogueira em frente ao talho. Tiago nem estaria ali. Teria ido à cidade, a Viana do Castelo, à "noite do estudante".
No talho, nem sinal da fogueira que alguns dizem ter consumido apenas papéis e que outros dizem ter provocado fumarento alarido por juntar sal e açúcar. Lá dentro, sobressai um rapaz atarefado a satisfazer uma cliente com uma lista de compras comprida e um cartaz deixado por alguém: "Não se irrite - sorria/ não critique - auxilie / não grite - converse/ não acuse - ampare".
Os episódios estarão relacionados. Um dos sócios do talho terá assistido, "do terceiro anel", às agressões supostamente protagonizadas por um irmão, um primo e outros dois homens. Manuel Puga pediu satisfações ao homem que por ali não se via. "Perguntei-lhe educadamente por que fez aquilo. Sou pai, tenho direito de saber. Ele disse-me: "Não era para ser assim. Não queria que fizessem isto ao teu filho"." Os amigos não conseguem aceitar aquilo. Tudo lhes parece excessivo. "Ainda se fosse uma chapada", murmurava um.
Tiago cursou Informática de Gestão na Escola Profissional do Minho, instalada no antigo Seminário de Viana. Fora a uma entrevista e convencera-se de que começaria a trabalhar em Maio. "A escola não lhe dizia muito. Queria trabalhar, ganhar dinheiro, ser independente", recorda o pai. "Não será."

Artigo publicado em Publico.pt e escrito por Ana Cristina Pereira.

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