sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Céu de pipas

Quando chegam as férias de Julho na periferia de São Paulo o céu se encobre de pipas coloridas, em um espetáculo de cores e formas, onde a poesia se faz presente. Muitas crianças deixam os afazeres cotidianos e sobem as lajes, arriscando-se, correndo o risco de machucarem-se, apenas para ter lugar naquela brincadeira tão bela e gostosa. É o momento de esquecer um pouco a dura realidade em que vivem para celebrar em um gesto único a existência.

Os adultos que já recebem tantas criticas também merecem de vez em quando fazer isto. A vida precisa de tempo para ser gasto, melhor dizendo é preciso tempo para perdê-lo. Assusta-me as pessoas que não são capazes de dedicar-se aos momentos de celebração: O carnaval, o futebol, os jantares, os almoços, as festas. Não são apenas espaços para descansar da rotina, são sobretudo espaços de encontro consigo mesmo e com a imensa maioria das pessoas que nos rodeiem e que na pressa para ver quem ganha mais na sociedade do consumo e da competição, acabamos por esquecer ou relegar ao canto na nossa trajetória.

As crianças quando colorem o céu de pipas me dizem que a vida ainda merece ser vivida, mesmo que os noticiários estejam repletos de argumentos que tencionam provar o contrario. Aquele céu colorido plasma a esperança que já estava se esvaindo no meu ser. É como se fosse me devolvido o direito de continuar a crer no ser humano e em Deus. Direito que muitas vezes a rotina nos rouba, massacrando-nos com aquilo que Leonardo Boff chama de imanência, que é esta nossa existência histórica, atemporal, cheia de necessidades fisiológicas. O céu de pipas nos abre para outra realidade, outra necessidade se abre. A necessidade da beleza, da fé, da esperança, da arte, da poesia, da musica, da dança. A necessidade de amar, de abraçar, de beijar e de ser amado. De escrever bilhetes de amor, scraps românticos ou para amigos. A necessidade de ser plenamente humanos.

É por isto que nós precisamos abrir espaços para quebrar o marasmo, a rotina e deixar-se conduzir pela vida e pela beleza. De vez em quando é bom quebrar este casulo que nos aprisiona, assim voltaremos renovados aos nossos espaços cotidianos. Eu particularmente sugiro a mim mesmo deixar me molhar na chuva, sair no frio sem blusa, correr, enfim, correr riscos. De vez em quando ouso vivenciar aquilo que os poetas tão bem descrevem. Poderei machucar-me, mas sem o risco de ferir-me eu jamais poderei participar da construção lúdica daquele céu de pipas que tanto contemplo e que tanto me pasma.

Sandrio Cândido*
Pipa [Brasil]: Papagaio de papel = ARRAIA, RAIA, PANDORGA

(*) Sandrio Cândido é brasileiro, seminarista da Consolata  no Seminário Filosófico, em Curitiba (Brasil)

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