quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O negro


Estamos na cantina de uma universidade alemã. Uma estudante, inconfundivelmente nórdica, após escolher o menu do dia, agarra o seu tabuleiro no balcão e, ato continuo, vai-se sentar numa das mesas da cantina universitária. Mas logo em seguida dá-se conta de que se esqueceu de trazer os talheres e dá meia volta para os ir buscar. Ao voltar para a mesa descobre, estupefacta, que um rapaz negro, está tranquilamente sentado no seu lugar e a comer o que está na sua bandeja. Num primeiro momento, a rapariga sente-se desconcertada e agredida na sua privacidade; logo em seguida pensa que o melhor é não se exaltar e enfrentar a situação com alguma calma. Pensa que o africano talvez não esteja acostumado à ideia do conceito de propriedade, de pertença, da privacidade do europeu, ou até mesmo que talvez não disponha de dinheiro suficiente para adquirir a sua própria refeição, ainda que esta seja barata para o poder de compra dos países ricos. E é deste modo que  a rapariga decide sentar-se bem à sua frente e começa por lhe lançar um sorriso amistoso, ao qual o africano responde com outro sorriso, também ele igualmente sereno.


A alemã começa a comer da mesma bandeja, tentando aparentar a maior normalidade e partilhando, com sensível cortesia e generosidade, com o rapaz de pele negra. E, deste modo, ele começa pela salada, ela aventura-se na sopa, e ambos comem alternadamente do mesmo prato de estufado até nada sobrar. Para terminar um dá conta do iogurte e o outro de uma peça de fruta. Tudo isso polvilhado com muitos e educados sorrisos, tímidos por parte do rapaz, suavemente alentadores e compreensivos por parte da rapariga.

No fim do almoço, a estudante alemã levanta-se para ir buscar o café. E é então que se dá conta, estupefacta, que na mesa ao lado, atrás de onde estava sentada, vê o seu casaco sobre as costas de uma cadeira e um tabuleiro de comida ainda por estrear.

Dedico esta deliciosa história, que é autêntica, a todos os espanhóis que, no fundo, suspeitam dos emigrantes e até os consideram indivíduos inferiores. A todas essas pessoas que, cheios de  boas intenções, olham para eles com condescendência e paternalismo. É melhor que nos livremos dos nossos preconceitos, caso contrário corremos o risco de passarmos pela mesma situação, constrangedora, da pobre estudante alemã, que acreditava ser o cumulo da civilização, enquanto que o africano, ele sim, com total educação, deixava-a comer do seu tabuleiro e talvez pensasse: “Mas que loucos estão estes europeus!”.

Rosa Montero, El País
Tradução: Albino Brás
Ilustração: Olly

Nt: Esta história, escrita por Rosa Montero, escritora e colunista do El Pais, esteve vários dias no 1º lugar do top das notícias mais lidas na página online deste diário espanhol (LINK). Na 'moral da história' talvez bastasse - cá pra nós -  substituir "espanhóis" por "portugueses" e a história continuava a ter o mesmo efeito de reflexão e profecia.

Sem comentários:

Enviar um comentário