segunda-feira, 9 de novembro de 2009

“A liberdade é muito cara”

Nos nossos dias é cada vez mais frequente depararmo-nos com pessoas que passam por dificuldades, pessoas que há muito tempo deixaram de saber o que é viver e passaram apenas a conhecer o que é sobreviver.

Seres humanos que devido a atrocidades da vida passaram a ser Ninguém e começaram a navegar na poesia diária que se constrói por necessidade e não por amor.
Foi num contexto de pobreza que, no último encontro do JMC, no Centro missionário A
llamano, em Fátima, recebemos Henrique e duas testemunhas da frieza das ruas, Helena e António. Tudo isto para despertar em nós a consciência de que neste mundo, aparentemente cor-de-rosa, existem pessoas a sofrer e a tentar singrar em caminhos ingratos.

“O que sou, devo-o à Consolata!”. Assim começou Henrique que leccionando na Universidade Lusófona de Lisboa, não esquece todos aqueles que o ajudaram a crescer e a tornar-se a pessoa que é hoje porque a Consolata ainda está no que escreve. Sempre viveu desassossegado e considera o desassossego a sua doença porque é ele que o consome. Foi com este espírito inquieto que chegou à “Cais”, uma revista que, segundo ele, “é uma estratégia porque não é ela que ajuda as pessoas, mas é sim a força de vontade e a energia de cada um”.

A “Cais” já conseguiu resgatar muitas pessoas da pobreza e ajudou-as a chegar a um porto seguro. Testemunhas disso são Helena e António cuja vida não os premiou com a sorte que todos desejamos.

Helena nasceu em Moçambique, em Agosto de 1957 e sempre gostou da arte e da pintura. “Eu queria nascer e morrer como artista, mas não tenho sapiência para isso”, é uma frase que repete diariamente e que demonstra a sua paixão pelo mundo do belo. A situação que vive deve-se ao facto de ter trocado o dinheiro pela liberdade e como a própria defende “a liberdade é muito cara”. Foi através da “Cais” que encontrou um pilar para a sua vida e que deixou as calçadas frias e esgotadas das ruas, deixou o seu tecto estrelado para passar a ter um quarto onde reza, todos os dias, para agradecer toda a ajuda que até aqui lhe foi dada. Ao longo dos dias vai pintando e vai-se aproximando cada vez mais da artista que gostaria de ser e que gostaria de ser lembrada.

António recomeçou uma nova vida depois de ter chegado à “Cais” porque antes disso, devido à bebida, estragou tudo aquilo que ela lhe tinha dado. “A minha família não me ligava por causa da bebida, agora, já se dão bem comigo. Os meus filhos, que falavam para mim como se eu fosse um cão, já me tratam de maneira diferente. A “Cais” fez de mim uma nova pessoa e estou-lhe muito grato por isso”. As histórias que já passou a vender a revista, as pessoas que já teve a oportunidade de ajudar para retribuir toda a ajuda que lhe deram, fazem com que se sinta cada vez mais útil e satisfeito com a vida que até então não tinha sido nada fácil. Actualmente, pode-se orgulhar de já não beber, acto que concretizava desde os seus nove anos de idade e satisfeito garante que “se não fosse a “Cais” não era nada”.

São os testemunhos de pessoas como estas que fazem com que o voluntariado se torne a actividade mais remunerada de todas. “Helena e António são pessoas mais ricas do que todos nós porque já viveram altos e baixos na vida e são estes momentos que enriquecem uma pessoa”, garante Henrique. Todas estas pessoas dão a força que é necessária para que uma actividade como esta continue.

Chegada ao fim de mais uma formação nas nossas vidas podemos ter a certeza de que existem muitas pessoas que passam por dificuldades. Não se tratou apenas de uma formação teórica mas tratou-se sim de uma formação prática em que fomos consciencializados por pessoas que viveram situações de grandes atrocidades.

Como sublinha a fadista Mariza “há coisas que ficam na história, na história da gente” e é por isso que vale a pena Viver.

Flávia Duarte - JMC

7 comentários:

  1. Um artigo muito interessante e enriquecedor.
    Quando o sobreviver se impõe ao viver, uma mão amiga é uma pérola preciosa.

    Bjs

    Fa

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  2. Escrever sobre este encontro de modo mais resumido é impossível!
    Foi um encontro de formação muito enriquecedor!
    Deixou muitos dos presentes sem palavras, sem o que dizer ou perguntar!
    Mostrou-nos uma realidade desconhecida de grande parte das pessoas!
    Alertou-nos para a falta de políticas de solidariedade social efectiva!
    Lembrou-nos o individualismo narcisista em que muitos dos que podiam ajudar vivem!
    Recordou-nos que as riquezas existentes davam para que TODOS vivessem com dignidade e que o dinheiro está é muito mal distribuído!
    Lembrou-nos que a maior crise actual é crise dos afectos!

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  3. Foi um encontro que não deixou ninguém indiferente, com muita matéria para reflexão. Com gente com muita coisa boa para partilhar e para fazer pensar, reflectir e... agir.
    E, como diz o João, a Flávia consegue, aqui transmitir por palavras escritas, de uma maneira tão profunda e bela, a riqueza daquele encontro. Tão novinha e, podemos dizer... já temos escritora! Parabéns!

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  4. Muitas vezes so damos valor ao que temos, quando o perdemos.
    Estes dois cidadãos tinham "tudo"... Familia, vida social, amigos, etc...mas por varias razões, perderam tudo. E quando queremos por um "travão" na vida que levamos, pode ser já demasiado tarde para darmos a volta à situação sozinhos...e necessitamos de uma mão amiga.
    Eles, tiveram a coragem de pedir ajuda.
    Quantas e quantas pessoas não dormem ao relento por não conseguirem mudar a vida que levam nem terem a coragem de pedir desculpa!?!?
    Para se fazer missão ou voluntariado, não é preciso ir "lá fora"...as vezes ate dentro da nossa familia ou um vizinho, que precisa de alguém que lhes estenda a mão, porque sozinhos já não têm a força de mudar.
    Estas pessoas, normalmente, são muito ricas em experiência, porque viveram o melhor e o pior do que a vida tem...
    São estas coisas que nos fazem pensar e ver que a vida pode mudar.

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  5. "São os testemunhos de pessoas como estas que fazem com que o voluntariado se torne a actividade mais remunerada de todas."
    Ora aí está uma revolução no conceito de "remuneração".
    Mas há ainda pouca gente que tenha descoberto o verdadeiro alcance desse tipo de actividades. Por mim, já pude experimentar vários tipos de voluntariado. E todos me enriqueceram muito.

    Nando

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  6. um encontro que me arrisco a dizer mudou vidas...

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  7. Adorava ter estado presente :S

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