sábado, 5 de dezembro de 2009

Mundo de loucos

Olá a todos. Quero, em primeiro lugar, louvar a iniciativa da “carta a um missionário”, pois como missionário é sempre bom saber que há muita gente que, de perto ou de longe, partilha a nossa missão com interesse e entusiasmo.

Assim, gostaria de responder a esta iniciativa através da partilha de uma experiência ligada ao meu trabalho aqui na Coreia do Sul. Para quem não sabe ou não se lembra, a minha principal actividade missionária aqui na Coreia do Sul é a de editor da nossa revista missionária, chamada “Consolata”. Na edição de Janeiro-Fevereiro 2010 da nossa revista, será publicado um artigo sobre um missionário norte-americano que trabalha há vários anos no Haiti.

Eu sabia que o Haiti é um país pobre, com imensos problemas políticos, económicos e sociais, mas fiquei sem palavras ao ler o artigo, que encontrei numa nossa revista italiana. Nunca pensei que o povo Haitiano vivesse em semelhante situação de miséria, tristeza e desespero.

Traduzo e transcrevo somente uma das frases mais chocantes do artigo: “De acordo com estatísticas oficiais, 40% da população não tem acesso a água limpa e potável, nem a sistemas de esgotos.”

O artigo refere que uma das causas desta situação é, como não podia deixar de ser, a corrupção. Mas estejam descansados que não falarei de política, mas sim do absurdo que é o mundo em que vivemos. É mesmo um “mundo de loucos”. Sim, porque para contrastar este artigo sobre o Haiti, há dias li uma notícia na secção “Gentes” do jornal espanhol Elmundo.es, que me deixou boquiaberto.

A notícia referia-se a uma festa de anos de um conhecido rapper e produtor de música norte-americano, P. Diddy. Como a língua espanhola é, para nós “tugas”, de fácil compreensão, deixo-vos parte do texto original:

“Es uno de los raperos más reconocidos internacionalmente y, por supuesto, uno de los más ricos. Si para un mortal gastarse más de dos millones de euros en una fiesta de cumpleaños es una completa locura, para P. Diddy es una realidad. Claro, que su fortuna se calcula en 230 millones. Sean Combs, el verdadero nombre de P. Diddy, pagó esa cantidad por el fiestón de su 40 cumpleaños, celebrado el pasado jueves en el Hotel Plaza de Nueva York y al que acudieron 500 personas. Las flores, orquídeas, supusieron nada menos que 20.000 euros del presupuesto. Algunos, desde luego, no saben lo que significa la palabra crisis.”

Pois bem, gastar mais de 2 milhões numa festa com 500 convidados é, como diz o autor, “uma loucura completa”. Certo, dado que o P. Diddy é multimilionário, pode muito bem dar-se a esse luxo. Sem querer estar a fazer juízos de valor, gostaria só de chamar à atenção para a contradição que existe entre estas duas realidades. Não haja dúvida que vivemos num mundo louco, num mundo que cada vez mais separa quem tem muito de quem pouco ou nada tem.

Um mundo onde as causas da miséria, da violência, da discriminação, do ódio, de tudo o que torna o ser humano “pior que um bicho” são todas causadas pelo ser humano. Sim, porque há muita gente que culpa Deus ou diz que “é destino”, quando elas próprias são causa do sofrimento de alguém. Falo por mim próprio, não porque culpo Deus e porque não acredito em destino, mas sim porque é sempre fácil atribuir a culpa aos outros. Temos todos algo de louco em nós e, para que a cura seja efectiva, há primeiro que identificar a loucura, assumindo-a com humildade e vontade de a curar.

O remédio?

É simples e eficaz: amor. Recordemos a frase “faz aos outros o que queres que te façam a ti”. Dizia Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres”. Voltando aos milhões que o P. Diddy esbanjou, perguntemo-nos: “E eu? Que desperdiço eu? Que poderia eu fazer pelos outros e não faço por preguiça, por mesquinhez, por ser hipócrita?” Os meus “milhões” são os dons que Deus colocou no coração de cada um de nós.

A nossa sociedade “louca” precisa deles, mas primeiro devemos curar-nos da “loucura” e não só preocuparmo-nos com a gripe A. “Que tem a gripe A a ver com o assunto?”, perguntarão vocês. Tem neste caso: Porque aqui na Coreia houve, em Outubro passado, um congresso internacional sobre suicídio. Um dos participantes falou dias depois ao jornal “The Korea Herald” e dizia-se admirado pela quantidade de folhetos, cartazes e avisos relativos à gripe A, enquanto que sobre a prevenção e assistência a pessoas propensas ao suicídio… nem um folheto sequer.

Sim, porque o suicídio mata, em média, 30 pessoas por dia aqui na Coreia do Sul.
Certo, não podemos mudar o mundo de um dia para o outro, mas podemos mudar o mundo que nos rodeia. E não nos esqueçamos de que quem ama, quem dedica a sua vida aos outros, quem se preocupa pela felicidade dos outros é também considerado “louco” por muitos, tal como Cristo foi considerado “louco” pelos seus próprios familiares e amigos.

O nosso mundo precisa desesperadamente desta “loucura saudável” do amor. Amor que passa também, por exemplo, pelo respeito e defesa da natureza, pela defesa dos direitos humanos, pela luta por uma sociedade mais solidária e tolerante, etc. Como missionários, temos a obrigação de pôr em prática o amor que Cristo colocou no nosso coração, senão muitos continuarão, por exemplo, a celebrar o Natal que se aproxima sem se darem conta do sentido original desta festa.

Despeço-me com votos de um santo Advento…

Vosso irmão missionário
p. Álvaro Pacheco IMC

Sem comentários:

Enviar um comentário