sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A fé que (não) perdi

- Sabes… Perdi a fé.
- Óptimo! Fico feliz por te ouvir dizer isso.
A resposta apanhou-a completamente desprevenida. Como pode ele, um padre, ficar feliz por saber que acabara de perder uma “ovelha” do seu rebanho?
-Óptimo? Venho dizer-te que me sinto perdida, que não sei que rumo tomar porque não acredito mais e tu ficas feliz por isso? Como podes?
- Porque posso…
Ela olhava para ele, incrédula, não conseguindo perscrutar, no seu olhar, se estava a brincar ou a falar a sério.
- Explica. – Retorquiu, tentando perceber as suas intenções.
- Hoje podes considerar-te afortunada, muitos são os que passam toda uma vida sem conseguir o que tu conseguiste. Colocaste em dúvida a fé que dizias ser tua e cortaste as amarras que te prendiam a algo que não era teu.
Sentada nos degraus frios que davam para a porta de casa, ela não conseguia entender as suas palavras. Adorava quando se sentava com ele ali, horas infindas, a conversar sobre Deus, a fé, a Missão, sobre tudo e sobre nada… mas hoje a conversa era um pouco mais séria, ela tinha deixado de acreditar em Deus e não estava à espera de uma resposta como a que tinha acabado de ouvir.
- Vais ter de me ajudar, não percebi onde queres chegar.
- Mas é simples, este tempo todo estiveste a viver (e a tentar perceber) algo que te foi entregue, com muito amor, pelos teus pais – pelo baptismo –, dos catequistas recebeste os ensinamentos mas nunca, até agora, colocaste em causa a verdade desse saber. Fizeste-o talvez por respeito aos teus pais ou com medo de te encontrares precisamente onde te encontras hoje… no vazio.
Para ti – continuou – esta dúvida é mais um passo na tua caminhada. Muitos são os que se acomodam e não chegam a VIVER a FÉ na sua plenitude. Ficam-se pela fé dos outros, algo que lhes foi dado já empacotado, pré-concebido.
- Mas então, perder a fé é bom?
- Mas tu não perdeste a fé! Apenas colocaste em dúvida tudo aquilo em que te disseram para acreditar. Questionaste-te e agora procuras respostas concretas… por isso vieste ter comigo, não foi?
Agora estás “por tua conta”, tens todos os caminhos livres para escolher para onde ir.
Podes ficar por aqui e resignares-te com o facto de que não tens fé ou podes seguir em frente, construir, pedra-a-pedra a fé que há-de ser tua.
Os meios estão todos ao teu alcance: A Bíblia, eu, os teus amigos… mas principalmente TU.
- Mas como posso eu fazer isso? Nem sequer sei por onde começar!
- Funciona um pouco como uma receita: Deves começar por algo em que sabes acreditar, algo concreto, como as pessoas (por exemplo), a partir daí acrescentas um pouco de razão, quando a razão te deixar num beco sem saída, então juntas um grãozinho de fé, não muito, apenas o suficiente para que possas continuar… até porque, depois, após cada grãozinho de fé, tens de ser capaz de a fundamentar com a razão. E o ciclo continua.
- Mas não corro o risco de chegar a algo contrário à fé que tinha?
- Não! Porque não estás sozinha, tens-me a mim e muitas mais pessoas que te podem corrigir a trajectória, questionar as tuas ideias, deitá-las por terra se necessário ou, pelo contrário, descobrir que és tu quem está certa.
- Vou ter um longo caminho pela frente, não vou?
- Todos temos, minha amiga, todos temos… a diferença é que uns decidem não se preocupar e viver o caminho que outros traçaram, outros, como TU, decidem traçar os seus próprios caminhos… e viver verdadeiramente.

O sol começava a pôr-se e assim, aninhado sobre a copa da palmeira grande que crescera em frente à porta de casa, no meio de um céu que se transformara numa amálgama de cores quentes, a beleza da criação deu-lhe forças para encetar uma nova caminhada: A caminhada em busca da fé que se encontrava perdida.

E tu?
Queres caminhar connosco?
[Missionários e Missionárias da Consolata]

3 comentários:

  1. Muito bonito o texto. Não somos ninguém sem fé. Cada um tem a sua fé e de formas diferentes, por vezes as circunstãncias da vida fazem com que ficámos perdidos.

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  2. Gostei do texto!

    Aqui no Brasil, chamamos a esta postura, que critica e questiona conceitos pré-estabelecidos, de protagonismo.

    Dito isto, consideramos como nossa missão ajudar as/os jovens a buscarem sempre o protagonismo juvenil, não só no campo da fé, mas em todas as dimensões de suas vidas.

    Muito me alegra saber que estamos em sintonia!

    Paz e Bem!!!

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  3. Adorei o texto!

    Questionar o porquê das coisas, nem sempre é mau. É bom termos esta sede de saber...e não andarmos ou acreditarmos em certas coisas só porque nos educaram assim.
    Não é fazendo perguntas e questionar a nossa fé que deixamos de ter fé ou de acreditar que há Alguém maior que nós, independentemente do nome que Lhe damos.

    Temos de questionar, em vez de irmos na maré da ignorância e do laxismo...

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