sábado, 21 de maio de 2011

À conversa com a Yoyo!

Desde Março de 2010 a trabalhar na Missão Catrimani, na Amazónia brasileira  Ligia Cipriano, leiga Missionária da Consolata portuguesa, é agora Yoyo e fala-nos das suas vivências com o povo Yanomami. Uma conversa curiosa… no facebook!

Olá Yoyo! Tudo bem?
Está tudo bem. Estou a passar uns dias na cidade [Boa Vista, Estado do Roraima]. E como não há internet na missão, há muito tempo que não dou notícias…

Como é aprender a nova língua [yanomami]?
Está a ser um pouco difícil aprender. Mas com o tempo vou conseguindo.
Eles compreendem o português, principalmente os mais velhos. Como passo o tempo a falar em português, torna-se mais difícil para mim aprender a língua. Eles dizem que querem aprender melhor o português. Mas o importante mesmo é preservar a sua língua porque faz parte da sua vida e da sua cultura. Temos de fazer o esforço de aprender a língua para valorizar a sua identidade cultural. O estudo da língua não tem muitos anos. É um processo complexo mas com o tempo vai. Já digo algumas coisas básicas… Comunicar para mim é essencial, mesmo não sabendo a língua. Isso nunca foi impedimento para haver diálogo. Quer seja com gestos ou com um sorriso. O importante é estar ao lado…


Não existem livros para estudar esta língua…
Temos cartilhas e um pequeno dicionário. Leva bastante tempo porque temos sempre actividades. E para aprender a falar bem, só indo para a maloca. Estou cada vez mais ligada à cultura e à vida no meio da natureza.

Numa maloca vivem várias gerações da mesma família…
Sim… Cada comunidade tem uma maloca. Uma maloca é uma casa circular construída de paus e folhas sem paredes interiores. Moram várias famílias em cada maloca: pais, filhos, netos…. É uma grande família a viver na mesma casa. É uma cultura muito interessante, tem muitas coisas diferentes do nosso mundo. Nas malocas não existem divisões, mas cada família tem o seu lugar.

E rituais?
Têm alguns rituais. Não celebram o Natal nem a Páscoa. Eles têm a sua religião. Vivemos em diálogo inter-religioso. Eles têm várias festas e rituais relacionados com a vida e a morte. Por exemplo, a festa das cinzas.

Em que deus acreditam?
Eles acreditam em Omama. Acreditam na vida depois da morte. Quando um Yanomami morre vai para Hutukana, a roça grande onde tem tudo para viver feliz. Têm os Xapuri que fazem a cura e a oração. São a ligação entre o céu e a terra. Têm um processo de preparação para isso que é muito longo. A cultura indígena é bem diferente da nossa. Aqui é outro mundo. Mas ficas de tal maneira apaixonada que, e brincando um bocadinho, nunca mais queres voltar para o mundo de que vieste.

Como funciona a escola por aí?
Existem salas de aula em cada maloca, que podem ser dentro ou fora. Os professores são YANOMAMI. A língua é yanomami. A escola é muito diferente. As mulheres vão para a escola com os filhos bebés. As escolas são tão diferentes que no início me fazia muita diferença. Tive de me despir de tudo o que tinha aprendido até agora. Como se tivesse nascido de novo. A escola não tem luz nem água canalizada. O banho é no rio ou no igarapé [braço de rio]. A comida é feita ao lume e dormimos na rede. O banheiro é no mato.

Por aí a paisagem deve ser deslumbrante…
Nem imaginas o quanto. Não existem palavras que descrevam o que se vive e sente naquele lugar. Quando chego à cidade tenho dificuldade de me adaptar.

O que fazes na missão?
Um pouco de tudo. Temos de ter mãos, braços e coração aberto para acolher o que vem. Mas o meu trabalho é junto aos professores com a equipa missionária. Agora estou a passar para computador as cartilhas em Yanomami e Português. Assim vou aprendendo um pouco mais a escrever a língua.

A que horas começa o dia na missão?
Às seis horas da manhã acordo. Depois da oração segue-se o pequeno-almoço. Na maloca o dia começa ainda mais cedo. Mas por volta das 18h00 já estamos na rede a conversar.

Aí não existe qualquer ideia do que é o fim-de-semana…
Não... Todos os dias temos coisas para fazer. Fazemos as nossas celebrações só em comunidade. Todos os dias são diferentes porque eles são um povo colector, caçador e pescador. Eles nunca têm fim-de-semana. Fazem os seus tempos de paragem e de descanso. Também têm a roça [cana-de-açúcar ou mandioca] a banana, mamão e muitos outros alimentos que nunca tinha comido…

Que mais é que provaste?
Já provei macaco e jacaré. Adoro. De início era difícil mas agora vai tudo. São os dois bons, mas se visses a preparação já não comias…

E cobras? Muitas?
Sim. Pequenas mas perigosas. Aranhas gigantes, muitos bichinhos… No meu quarto, na missão, tenho morcegos, ninhos de pássaros e vários animais pequenos…

Bem… o teu quarto é quase um zoo…
É mesmo do outro mundo. É viver no meio da floresta. Os animais de estimação vivem na maloca. Com um quarto assim, fico mais próxima do ambiente de lá e quando vou à maloca já não estranho

Com que idade casam as raparigas Yanomami?
Muito cedo. Por volta dos 14 ou 15 anos.

Como está organizado o “calendário” deles?
Têm o seu próprio calendário. Que tem a ver com o cultivo das roças e da pesca. Não têm dias da semana. Mas agora, com a nossa influência começam a saber… Não existe comemoração de aniversário nem de nada. É um povo em perfeita sintonia com a natureza e o criador. Vivem do pão-nosso de cada dia. Não têm alimentos guardados. Cada dia vão buscar a alimentação que precisam. Estou muito feliz por viver no meio da floresta, junto do povo Yanomami e poder viver sem os meios de comunicação. Por outro lado, perco a comunicação lado a lado e não há a possibilidade de olhar para o rosto da pessoa com quem estou a conversar.

Um conselho para os jovens…
Não tenham medo de arriscar na vida e seguir Jesus. Força! Ele conta convosco. Beijinhos a todos!

Juliana Batista

Sem comentários:

Enviar um comentário