quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A Sida, a pobreza e o papel da Igreja

Hoje é o Dia Mundial de luta contra a Sida, essa pandemia que, apesar de já se ter transformado numa doença crónica e, portanto, não necessariamente mortal - tal como acontecia nas primeira décadas da sua incidência -, continua a matar milhões de pessoas ainda hoje. Sobretudo nos países pobres. A SIDA está muito ligada à pobreza. É um circulo vicioso:. a pobreza amplifica a SIDA e a SIDA multiplica a pobreza. Afinal, a Sida é muito mais que uma doença!
Infelizmente, e durante muito tempo, perderam-se demasiadas energias a discutir apenas uma questão relacionada com a prevenção: a falsa questão do preservativo.

ALGUNS DADOS
No mundo, apesar das novas infecções terem diminuido 15%,  segundo dados da ONU/Sida, ainda há 34 milhões de seropositivos.  Com 68% dos casos, o continente africano continua a ser o mais atingido pelo virus da Sida. Portugal,  que tem 42 mil  pessoas com o HIV, é o 3º país da Europa com o maior número de infectados.


A FALSA QUESTÃO
“Desde que foi identificado o vírus HIV, tanto no chamado Primeiro Mundo, como no Terceiro, as campanhas de prevenção da SIDA centraram-se, de forma unilateral e quase exclusiva, na propaganda e na distribuição de preservativos. Não se sublinharam suficientemente, como o fez a voz da Igreja, as limitações inerentes a essa medida preventiva, assim como o perigo de que ditas campanhas promovessem mais ainda a trivialização da sexualidade.” (*)

O principio do 'mal menor': Diante da pandemia da SIDA, que afecta todos os continentes, mas de uma maneira muito desigual o continente africano, parece-me que à Igreja não basta levantar a bandeira moral e familiar, proclamando o valor da castidade e da fidelidade matrimonial. Em nome da vida com VIDA!
A bioética não é a ciência que defende a vida à custa de muitas mortes. Seria um contra-senso.Aplique-se o principio do mal menor. O bem maior – a defesa da vida nascida – exige este caminho. Neste sentido, o preservativo é um falso problema.

SIDA E POBREZA:
A Sida é apenas mais um sinal revelador das desigualdades e das injustiças entre o Primeiro e o Terceiro Mundo. Está comprovado que a epidemia da Sida compromete  o desenvolvimento e afecta  directamente o agregado familiar, comprometendo a reprodução social e as condições de vida das pessoas. A redução dos índices de pobreza  constitui uma estratégia importante para reverter o actual cenário da epidemia mundial. Na África Subsariana a epidemia atinge principalmente a força de trabalho jovem entre 15 e 49 anos. É o futuro de muitos países que está hipotecado.

O PAPEL DA IGREJA SAMARITANA
A Igreja tem tido um papel determinante junto dos que mais sofrem este drama: os enfermos mais pobres e excluídos  Normalmente nem se sabe que este trabalho existe. Também aqui, o silêncio é o mestre da presença solidária e caritativa. São muitos os exemplos que relatam este rosto samaritano da Igreja que transforma o evangelho em letra viva. Sobretudo na África e nas Américas os infectados pelo HIV e os enfermos de Sida têm a mão amiga e samaritana de, entre outros, muitos Missionários e Missionárias da Consolata. De facto, há numerosas organizações de solidariedade e ajuda humanitária que, no seio da Igreja Católica, continuam a trabalhar no terreno, a todos os níveis, para ajudar a debelar este drama sanitário e social. São muitas as casas de acolhimento para infectados pelo HIV e enfermos de Sida espalhadas um pouco por todo o mundo.

OS DESAFIOS 
Estes são os desafios que, a meu ver, a SIDA ainda apresenta à Igreja, hoje:
- Defender e promover os direitos humanos (direito à assistência sanitária, ao trabalho, a ter uma família, ao afeto,...)
- Denunciar as graves situações de injustiça (que não apenas o preconceito)
- Educar para a saúde e a prevenção (o que significa ir mais além da redutora questão do preservativo)
- Atender as crianças órfãs (são aos milhares, e abandonadas à sua sorte, nos países mais pobres)
- Ações concretas de solidariedade afetiva e efetiva (baseada na belíssima parábola do Samaritano).

Para terminar, convém não esquecer: num mundo profundamente globalizado e em crescente mobilidade, como é aquele em que vivemos, hoje, impõe-se uma certeza: Só se acaba  com a SIDA  num determinado lugar (região. pais ou continente), quando se acabar com ela em TODOS os lugares.
Albino Brás

(*) Albino Brás, “Sida y Tercer Mundo: Una llamada a la ética y a la solidaridad”, PPC, Madrid

2 comentários:

  1. Muito bom. Não esperava que fosse um especialista na matéria, mas vejo que também aí "o silêncio é o mestre da [sua] presença solidária e caritativa".

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  2. Que simpatia da tua parte, Tiago!
    Mas... não, não sou nenhum especialista! Fiz a minha tese sobre o tema, que depois foi publicada em livro e continuo a interessar-me e a ser sensivel a esta questão. Quando a Sida surgiu chamavam-lhe a "lepra" do século XX. Os infectados com o HIV e os enfermos de Sida eram apartados de quase tudo (da família, da escola, do trabalho,...). E depois havia a questão de como esta epidemia se transformou em pandemia e do impacto que tinha especialmente nas regiões mais pobres - perdão! - mais empobrecidas do nosso mundo, especialmente a África Subsariana. Foi isso que me levou a querer estuda o fenómeno, a partir da perspectiva dos mais pobres, das injustiças, das questões éticas, dos laboratórios farmacêuticos (investir em regiões pobres não está nos seus horizontes), da questão da solidariedade como resposta ética e cristã diante do drama da Sida, etc.

    Mas, a mim, em relação a este tema já não me bastam frases como "Diga não ao preconceito". O preconceito já não é o principal probelma do enfermo de Sidsa, hoje Era, isso sim, nas primeiras décadas (anos 80 e 90). Exclusão é muito mais do que preconceito! Saber, por exemplo, que há milhares de crianças, sobretudo na África Subsariana que ficaram órfãs de pai e mãe, enche-me de compaixão. Mas também de consolação ao saber que, no silêncio dos dias e das noites, e sem o flash dos Media por perto, há um exército silencioso de missionários/as e voluntários que tentam suavizar estes dramas humanitários.
    E saber, ainda, que tenho colegas meus que se dedicam, neste preciso momento a esta causa, dá-me a alegria que só quem sente que são os valores do evangelho (compaixão, amor, gratuidade,...) a tornar isto possível é que percebe na sua profundidade.

    Obrigado pela mensagem, Tiago. Abraço!

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