terça-feira, 15 de março de 2011

Porquê falar de economia?

O meu último post neste blogue gerou dúvidas acerca da necessidade e do sentido de falar de Economia pura e técnica neste espaço da blogosfera.

Tratam-se de dúvidas que compreendo e que têm a sua razão de ser. No entanto, penso que há uma explicação válida para lermos um texto como aquele no CJovem.

A economia surge-nos actualmente de forma implacável. Ainda que seja uma área científica não muito conhecida do público em geral, esta vai dominando cada vez mais a realidade social, ou seja, cada vez mais estamos dependentes da Economia. A Economia é apenas e só a ciência que estuda as relações de produção e distribuição de bens e rendimentos dentro de uma sociedade. Perceber os seus mecanismos é fulcral para entender os tempos conturbados que atravessamos.

Diversas questões levantadas até hoje no CJovem relegam-nos para a Ciência Económica, para que possamos entender realmente as questões e sobretudo para que possamos agir sobre elas. Muitas dessas questões estão intimamente ligadas com as questões técnicas que abordo no post que deu origem a esta polémica.

O primeiro ponto que esse post quer transmitir é o da existência de debate dentro da Economia. Aquilo que ouvimos todos os dias nas TV's não é debate, é apenas e só um desenrolar de argumentos, muitos deles profundamente falaciosos, chegando todos eles à mesma conclusão. A austeridade é apresentada como o único caminho possível para saírmos da crise em que estamos. Ora, essa opinião está muito longe de ser consensual nos meios académicos. No referido post explico então a forma como variáveis como a dívida pública, o desemprego, a inflação, o crescimento do PIB ou o consumo se interligam numa rede de "influências" não directas e dificilmente mensuráveis. Demonstra-se que a dívida pública não é o resultado exacto do despesismo do Estado (o nosso Estado gasta menos do que a média europeia); o desemprego é uma variável económica dependente do crescimento do PIB, crescimento esse que depende da forma como se ligam consumo, investimento, despesa pública e exportações, ou seja, algo muito mais complexo do que o habitual "eles não querem é trabalhar". Vemos assim o desemprego como um resultado directo de políticas do Estado. Vemos que os impostos têm uma utilidade social de redistribuição do rendimento até porque também vemos que a distribuição original do rendimento pelo capital e pelo trabalho não é inócua e depende de factores de política económica.

Estas questões estão ligadas a tudo o que atravessamos actualmente. Uma das questões fortemente discutidas neste blogue ultimamente é a da precariedade, desemprego e especificamente, o protesto do passado dia 12, da "Geração à rasca". É impossível abordar este tema sem perceber os mecanismos económicos que estão por trás. Vejamos o argumento oficial dos nossos políticos e economistas da TV:

- Portugal está em crise devido à enorme presença do Estado na economia. O Estado regula demais e dificulta o espírito empreendedor. O mercado de trabalho é demasiado rígido e isso é causa de falências e de desemprego. Para ultrapassar a crise é necessário emagrecer o Estado. O emagrecimento do Estado leva a uma crise económica no curto prazo mas abre espaço para a iniciativa privada fomentando o crescimento a médio e longo prazo. Para as empresas serem competitivas internacionalmente é necessário reduzir salários, aumentar produtividade e flexibilizar o mercado de trabalho, facilitando os despedimentos.

É impossível descartar a situação de precariedade que tantos jovens vivem desta ideologia económica vigente que entende a flexibilidade laboral e os baixos salários como factor de ajustamento. No meu post mostro que existe uma razão para a austeridade e mostro que existem alternativas válidas dentro da Economia.

Outra questão é mais de índole humanitária mas nem aqui nos livramos da Economia.

Neste post refere-se o problema do tráfico de seres humanos. Uma expressão é sugestiva - "Mercadoria Humana". Trata-se de um problema profundamente económico. A mesma ideologia que aprofunda a austeridade e a saída do Estado da economia pede uma crescente mercantilização da maioria dos campos da vida humana. Isto porque o mercado é um sistema de transacções livres e por isso, justas. É isto que abre espaço para a mercantilização da vida humana - trata-se de uma questão de grau. À esquerda considera-se, por exemplo, absurda a mercantilização de áreas como a saúde ou a educação. Para outros mais à direita, o mercado é rei e por ele devem passar os principais âmbitos das relações na sociedade.

Noutros posts fala-se da luta contra a pobreza e contra a fome. Quem de nós nunca se perguntou porque é que, com tanto programa internacional, com tanta instituição, com tanta acção de ajuda ao desenvolvimento, a fome e a pobreza não diminuem e até aumentam em certas regiões do globo? Pois bem, trata-se de um problema económico ligado também ao meu post. As ajudas ao desenvolvimento vêm muitas vezes revestidas de obrigações de abertura económica ao exterior e perda de importância dos Estados. O economista Joseph Stiglitz, que cito nesse post, foi demitido de Economista-Chefe do Banco Mundial após criticar severamente a forma como este actuava nos países em desenvolvimento.

Noutro post aborda-se o problema demográfico mundial. Nele se afirma que " 5% da população mundial consome o equivalente a 23% da energia mundial disponível". Um problema de redistribuição a nível mundial. Acima de tudo relacionado com a forma como as economias se interrelacionam umas com as outras. Há um teorema da economia internacional que indica que a perfeita circulação de capital entre os países leva a um equilíbrio das remunerações do trabalho entre esses países. Para uns isso é uma profunda falácia, para outros, parece ser real na medida em que os trabalhadores europeus estão cada vez mais próximos dos trabalhadores chineses...

O desperdício alimentar está também neste post. Trata-se de mais uma simples questão económica de oferta e procura. O sistema não está feito para alimentar o máximo de pessoas mas para os vendedores encontrarem o preço ao qual conseguem maximizar o seu lucro. Isto significa que o preço é sempre estabelecido a um nível em que alguns não podem pagar e por outro lado, pode levar a que não se vendam ou se desperdicem quantidades enormes simplesmente porque a sua venda não é rentável. Podemos também aqui ligar ao meu referido post. Porque não a alimentação fora da esfera do mercado e tornar-se regulada pelo Estado?

São inúmeras as questões que têm uma base económica. Uma que ainda não foi referida neste blogue é a da ascensão de movimentos racistas e xenófobos um pouco por toda a Europa. Diria que todos os regimes fascistas ou nacional-socialistas do século XX surgiram por questões económicas. Estas foram relacionadas principalmente com problemas de hiperinflação, desemprego, com a grande depressão ou com crises de dívida pública. Várias destas variáveis estão hoje em dia a níveis preocupantes. O primeiro passo é a culpabilização do outro. Grande parte dos cidadãos alemães considera de forma quase racista os cidadãos do sul da Europa com preguiçosos e talvez geneticamente inferiores (como parecem considerar os turcos e curdos). Tudo isto sem perceberem que a crise que vivemos é acima de tudo uma crise de economia política. Uma crise criada pelas escolhas dos Estados e pela ideologia que estes seguiram. Para estes, Portugal está numa crise de dívida porque não gostamos de trabalhar e porque gastamos demais. Tudo isto é profundamente errado e basta um pouco de conhecimento em Economia para perceber que não há em Portugal (ou na Espanha, Irlanda, Grécia ou qualquer outro) qualquer predisposição genética para o fracasso.

Continuam a achar que não precisamos de Economia no CJovem?

Tiago Santos

2 comentários:

  1. Penso que se o texto anterior tivesse tido uma introdução, um pouco na onda deste agora, provavelmente não teria sido alvo de crítica.
    A mim apanhou-me de surpresa apenas pela forma como apareceu um pouco descabido do contexto, sem qualquer nota introdutória ou contextualização, porque quanto ao conteúdo achei bom.

    Isto é, se este texto tivesse sido o primeiro a ser publicado eu estaria mais preparada para acolher o outro e entender o seu porquê neste blog. :P

    P.S.: Bom trabalho!

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